segunda-feira, 6 de abril de 2009

Sobre o Pequenas Navegações,texto de Adelaine

Hoje sonhei contigo. Não eras mais do que a chuva fina e a névoa ao fim do dia que flutua lá fora. Não eras menos do que a imensa torrente de águas bravias que açoitam a garrafa onde minha desesperança ainda te reconduz. Eras pequeno como o retrato de meu irmão morto, que vejo por trás de ti, por trás deste amor desgarrado e triste, que já não posso, não quero e não alcanço. Vinhas voando em curvas velozes na avenida de minha infância, em aparição fantasmática. Eu corria de ti em falso desespero. E tu me alcançaste enfim e nos enlaçamos como duas plantas em hastes amorosas nos muros e nos troncos das árvores. E no auge desse (des)encontro faço-te a pergunta. Tu te esquivas e fantasias desculpas inconsistentes. Meus nervos à flor da pele agora, meu coração um cavalo disparado na noite. Como pudeste tratar assim o amor da tua vida? “Seja feliz você também, hoje e sempre” – eu te digo. “Você bem sabe que não foram só desencontros”. E assim concordamos que estamos irremediavelmente perdidos um para o outro.

Hoje será a última vez que choro por ti. Sei que nas voltas destas linhas vais embora, revolto em oceanos eternos. Não retornarás jamais para mim, porque eu te lanço ao mundo. Quero-te o mais distante possível. Serás somente o esboço de um retrato em memória, o retrato de meu irmão morto, de meu pai morto, de todas as imagens que roubaste de nossa história. Sei que não dormirei mais como antes, aninhada em teu ombro de todas as rotas. Perdi meu ancoradouro. Agora sou como a água viva, que se espraia toda em águas profundas, transparente e movediça, disforme e de novo recomposta como a abóbada de uma igreja. Casta e silenciosa.

Decido agora deixar-te definitivamente. Lanço-te ao mar. Não espero mais por um sinal teu. Meu mundo dorme, ilha serena neste oceano de esperas. Não preciso de resgate. Desencontrei-me. Nesta garrafa deposito meu último desejo por ti. Coloco aqui tudo o que trouxeste de minhas perdas e de outros desamores. Fica em paz em tua festa de sombras, em tua inconsútil alegria, em tua sempiterna algaravia.
Adelaine

Nenhum comentário:

Postar um comentário